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segunda-feira, 8 de junho de 2015

A evolução da Teoria da consciência

Provavelmente desde que os seres humanos foram capazes de entender o conceito de consciência, eles têm procurado compreender o fenômeno. Estudar a mente foi uma vez o domínio dos filósofos, alguns dos quais ainda acreditam que o assunto é inerentemente incognoscível. Porém, os neurocientistas estão tendo progressos no desenvolvimento de uma verdadeira ciência do “eu”.

Cogito ergo sum




Um conceito difícil de definir, a consciência tem sido descrita como o estado de estar acordado e ciente do que está acontecendo ao seu redor, e de ter um senso de si mesmo. O filósofo francês René Descartes propôs no século XVII a noção de “cogito ergo sum” (“Penso, logo existo”), a ideia de que o simples ato de pensar sobre a própria existência prova que há alguém lá para fazer o pensamento.

Descartes também acreditava que a mente era separada do corpo material – um conceito conhecido como dualidade corpo-mente – e que estes reinos interagem na glândula pineal do cérebro. Os cientistas agora rejeitam a última ideia, mas alguns pensadores continuam a apoiar a noção de que a mente de alguma forma é removida do mundo físico.

Enquanto abordagens filosóficas podem ser úteis, os cientistas dizem que elas não constituem teorias ​​de consciência testáveis. “A única coisa que sei é: ‘Eu estou consciente’. Qualquer teoria tem que começar com isso”, afrima Christof Koch, neurocientista e diretor científico do Instituto Allen para a Neurociência, em Seattle (EUA).

Correlatos da consciência


Nas últimas décadas, os neurocientistas começaram a atacar o problema da compreensão da consciência de uma perspectiva baseada em evidências. Muitos pesquisadores têm tentado descobrir neurônios ou comportamentos específicos que estão ligados a experiências conscientes.

Recentemente, pesquisadores descobriram uma área do cérebro que atua como uma espécie de interruptor para o cérebro. Quando esta região, chamada de claustro, é estimulada eletricamente, o paciente fica inconsciente instantaneamente. Na verdade, Koch e Francis Crick, o biólogo molecular que ficou famoso ao ajudar a descobrir a estrutura de dupla hélice do DNA, já haviam proposto a hipótese de que esta região poderia integrar informações entre diferentes partes do cérebro, como o maestro de uma sinfonia.

Contudo, segundo Koch, procurar conexões neurais ou comportamentais para a consciência não é suficiente. Por exemplo, tais ligações não explicam por que o cerebelo, a parte do cérebro que coordena a atividade do músculo, não dá origem à consciência, enquanto que o córtex cerebral (a camada mais externa do cérebro) dá. Isto acontece mesmo que o cerebelo tenha mais neurônios do que o córtex cerebral.

Estes estudos também não explicam como dizer se a consciência está presente ou não, como no caso de pacientes com lesão cerebral, outros animais ou mesmo computadores.

De acordo com Koch, a neurociência precisa de uma teoria da consciência que explique o que este fenômeno é e que tipos de entidades o possuem – e, atualmente, existem apenas duas teorias que a comunidade científica leva a sério.

Informação Integrada


O neurocientista Giulio Tononi, da Universidade de Wisconsin-Madison (EUA), desenvolveu uma das teorias mais promissoras para a consciência, conhecida como teoria da informação integrada, na qual Koch também trabalhou, em parceria com Tononi.

Entender como o cérebro produz o material de experiências subjetivas, tais como a cor verde ou o som das ondas do mar, é o que o filósofo australiano David Chalmers chama de “problema difícil” da consciência. Tradicionalmente, os cientistas têm tentado resolver este problema com uma abordagem que vai de baixo para cima, um tipo de processamento de informação baseado em dados vindos do meio ao qual o sistema pertence para formar uma percepção. “Você pega um pedaço do cérebro e tentar espremer o suco de consciência [dali]”, explica o diretor científico do Instituto Allen. “Mas isso é quase impossível”.

Em contraste, a teoria de informação integrada começa com a própria consciência e tenta trabalhar de marcha ré para entender os processos físicos que dão origem a este fenômeno. A ideia básica é que a experiência consciente representa a integração de uma grande variedade de informações e que esta experiência é irredutível. Isto significa que quando você abrir os olhos (supondo que você tenha uma visão normal), você não pode simplesmente optar por ver tudo em preto e branco, ou ver apenas o lado esquerdo de seu campo de visão.

Em vez disso, seu cérebro tece perfeitamente em conjunto uma rede complexa de informações dos sistemas sensoriais e processos cognitivos. Vários estudos têm mostrado que é possível medir o grau de integração utilizando técnicas de estimulação cerebral e de gravação.

A teoria da informação integrada atribui um valor numérico, “phi”, ao grau de irredutibilidade. Se o phi é zero, o sistema é redutível a suas partes individuais, mas se o phi é alto, o sistema é mais do que apenas a soma de suas partes. Este sistema explica como a consciência pode existir em diferentes graus nos seres humanos e em outros animais. A teoria incorpora alguns elementos do pampsiquismo, a filosofia de que a mente não está presente apenas em humanos, mas em todas as coisas.

Um corolário interessante da teoria da informação integrada é que nenhuma simulação de computador, não importa o quão fielmente replica uma mente humana, jamais poderia tornar-se consciente. Koch colocar desta forma: “Você pode simular o tempo em um computador, mas ele nunca vai ficar ‘molhado'”.

Espaço de trabalho global


Outra teoria promissora sugere que a consciência funciona um pouco como a memória do computador, que pode lembrar e manter uma experiência mesmo depois dela ter passado. Bernard Baars, neurocientista do Instituto de Neurociências de La Jolla, Califórnia (EUA), desenvolveu esta teoria, que é conhecida como a teoria do espaço de trabalho global. Tal ideia é baseada em um conceito antigo de inteligência artificial chamado de quadro negro, um banco de memória que diferentes programas de computador poderiam acessar.

Qualquer coisa, desde a aparência do rosto de uma pessoa a uma memória de infância pode ser reproduzida na lousa do cérebro, onde a informação pode ser enviada para outras áreas do cérebro que irão processá-la. De acordo com a teoria de Baars, o ato de transmissão de informações no cérebro a partir deste banco de memória é o que representa a consciência.

A teoria do espaço de trabalho global e a teoria da informação integrada não são mutuamente excludentes, diz Koch. As primeira tenta explicar em termos práticos se algo é consciente ou não, enquanto a segunda procura explicar como a consciência funciona de forma mais ampla. “Neste momento, ambas podem ser verdade”, conclui.

terça-feira, 23 de abril de 2013

As mentiras que o cérebro conta pra você


Você fica cego 4 horas por dia. Já foi enganado por um rótulo nesta semana. Tem preconceitos sobre todos os assuntos (por mais que ache que não). Toma decisões irracionais, que vão contra os seus interesses. Você não está no controle da própria mente. Mas não se preocupe: você é normal. Não é maluco e possui um cérebro perfeito, como o de qualquer outra pessoa. Só que ele inventa coisas para iludir você. Não é por mal. É só uma maneira de economizar energia.

O cérebro humano é o objeto mais complexo do Universo. Tem 100 bilhões de neurônios, que podem formar 100 trilhões de conexões. Se fosse possível criar um computador com o mesmo número de circuitos do cérebro, ele consumiria uma quantidade absurda de eletricidade: 60 milhões de watts por hora, segundo uma estimativa de cientistas da Universidade Stanford. É o equivalente a quatro usinas de Itaipu trabalhando simultaneamente. Mas o cérebro humano gasta pouquíssima energia - 20 watts, menos que uma lâmpada. E mesmo assim consegue fazer coisas extremamente sofisticadas, de que nenhum computador é capaz.

Só que isso tem um preço. O seu cérebro não consegue analisar as situações de forma completamente racional, avaliando todas as variáveis envolvidas em cada caso. Para fazer isso, ele precisaria de ainda mais circuitos - e muito mais energia. Mas, ao longo da evolução, a natureza encontrou uma solução: o cérebro pode mentir para seu dono. Sim, mentir. Descartar informações, manipular raciocínios e até inventar coisas que não existem. Dessa forma, é possível simplificar a realidade - e reduzir drasticamente o nível de processamento exigido dos neurônios. "São efeitos colaterais do funcionamento normal do cérebro", diz Suzana Herculano-Houzel, neurocientista da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Tudo começa pela visão. Você não percebe, mas o cérebro edita o que você vê. Das 16 horas por dia que uma pessoa passa acordada, em média, 4 horas são preenchidas por imagens "artificiais" - que não foram captadas pelos olhos, e sim criadas pelo cérebro.

O olho humano só capta imagens com clareza em uma pequena parte, a fóvea, que tem 1 milímetro de diâmetro e fica no centro da retina. Então, para compor a linda imagem que você está vendo agora, os seus olhos estão constantemente em movimento. Eles focam determinado ponto e depois pulam para o ponto seguinte. Cada um desses saltos tem duração de 0,2 segundo. Quer comprovar isso na prática? Na próxima vez em que você estiver conversando com uma pessoa, preste atenção nos olhos dela. Você irá perceber que eles se movimentam o tempo todo para escanear vários pontos do seu rosto.

O problema é que a cada pulo desses, enquanto os olhos estão se movendo para a próxima posição, o cérebro deixa de receber informação visual por 0,1 segundo. Durante esse tempo, você está cego. E, como nossos olhos fazem pelo menos 150 mil pulos todos os dias, o resultado são 4 horas diárias de cegueira involuntária. Você não percebe isso porque o cérebro preenche esses momentos com imagens artificiais, que dão a sensação de movimento contínuo. Mas que, na prática, você não viu.

Tem mais: o que você enxerga não é o que está acontecendo - e sim o que vai acontecer no futuro. É sério. Isso acontece porque a informação captada pelos olhos não é processada imediatamente. Ela tem de passar pelo nervo óptico e só depois chega ao cérebro. O processo leva frações de segundo, e você não pode esperar - um atraso na visão pode fazer com que você seja atropelado ao atravessar a rua, por exemplo. Então, o que faz o cérebro? Inventa. Analisa os movimentos de todas as coisas e fabrica uma imagem que não é real, contendo a posição em que cada coisa deverá estar 0,2 segundo no futuro. Você não vê o que está acontecendo agora, e sim uma estimativa do que irá acontecer daqui a 0,2 segundo.

As mentiras invadem a razão

Com R$ 1,10, você pode comprar um café e uma bala. O café custa R$ 1 a mais do que a bala. Quanto custa a bala? Responda rápido. Dez centavos, certo? Errado. Você acaba de ser enganado pelo próprio cérebro. Mas não está sozinho - mais da metade dos estudantes de universidades prestigiadas como Harvard, MIT e Princeton responderam a essa mesma pergunta e também erraram (entre alunos de instituições menos badaladas, o índice de erro é ainda maior, cerca de 80%). Essa charada é um dos exemplos citados no livro Thinking, Fast and Slow (Pensando, Rápido e Devagar, ainda sem versão em português), do psicólogo israelense Daniel Kahneman, que ganhou o Prêmio Nobel de Economia por suas pesquisas sobre o comportamento humano.

Para Kahneman, o cérebro tem dois tipos de pensamento. O primeiro é rápido e intuitivo e confia na experiência, na memória e nos sentimentos para tomar decisões. O segundo é lento e analítico - e serve como uma espécie de guardião do primeiro.

Se estamos decidindo sobre o que comer, podemos ficar em dúvida entre um sanduíche e um prato de feijão. Mas por que essas duas opções, justo elas, surgiram como as alternativas válidas para o momento? Por que você não considerou um bacalhau com batatas? Por que não um sorvete de abacaxi? Porque o seu pensamento intuitivo já estava inclinado para optar pelo sanduba ou pelo feijão e restringiu previamente as escolhas antes mesmo que você se desse conta de que estava chegando a hora de almoçar. Do contrário, passaríamos horas avaliando todas as possíveis opções de refeição - e morreríamos de fome. Se o pensamento intuitivo não existisse, seria extremamente difícil escolher uma roupa ou responder a perguntas banais, do tipo "como você está?" ou "gostou do filme?". De certa forma, o pensamento intuitivo é o que nos diferencia dos robôs. E é ele que permite ao cérebro processar informações na velocidade necessária. "Ele é mais influente. É o autor secreto de muitas decisões e julgamentos que você faz", explica Kahneman no livro. Foi o pensamento intuitivo que apontou os dez centavos como resposta para o enigma do café. Só que ele mentiu para você. A resposta certa é R$ 0,05. Se a bala custasse R$ 0,10, o café custaria R$ 1,10 - e o total daria R$ 1,20.

Esse duelo entre os dois tipos de pensamento, o rápido-intuitivo e o lento-analítico, também tem uma explicação evolutiva. O córtex pré-frontal, região do cérebro responsável pelo processamento lógico, surgiu relativamente tarde na evolução da espécie humana - já as emoções e os instintos estavam com nossos ancestrais há muito mais tempo. Por isso elas são tão fortes e nos influenciam tanto. "A filosofia considera o ser humano um animal racional. Mas o que sabemos é que apenas em certas circunstâncias e à custa de muito esforço conseguimos ser racionais", afirma Vitor Haase, médico e professor de psicologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

O pensamento intuitivo está sempre presente, até nas situações em que a racionalidade é supremamente importante. Um estudo de pesquisadores das universidades de Ben Gurion, em Israel, e Columbia, nos EUA, analisou o comportamento de juízes que deveriam decidir sobre a liberdade condicional de presos (um processo rápido, que leva 6 minutos). Em média, somente 35% dos condenados ganhavam a condicional. Mas os cientistas perceberam que os juízes eram muito mais benevolentes depois de comer. Quando eles tinham acabado de fazer uma refeição, a taxa de aprovação subia para 65%. Com o passar do tempo, a fome vinha chegando, e a concessão de liberdade condicional ia caindo. Minutos antes do próximo lanche, o índice de aprovação era quase zero.

Decidir sobre liberdade condicional e julgar a própria felicidade são tarefas complexas. Para avaliar todas as variáveis envolvidas, muitas delas subjetivas, o cérebro tenderia a ficar sobrecarregado. Por isso, ele usa atalhos. "Os nossos problemas são resolvidos no piloto automático, através de soluções que a cultura já embutiu no nosso cérebro", diz Haase.

Estudos têm revelado outra distorção: toda pessoa sempre tende ao otimismo, mesmo quando não há motivos para isso. A pesquisadora Tali Sharot, da University College London, gravou a atividade cerebral de voluntários enquanto eles imaginavam situações banais - como tirar uma carteira de identidade. Ela também pediu que os voluntários pensassem em coisas do passado. Os testes mostraram que as mesmas estruturas cerebrais são ativadas para recordar o passado e imaginar o futuro. Só que, ao imaginar o futuro, os voluntários criavam cenários magníficos - era o cérebro tentando colorir os eventos sem graça. "Cerca de 80% das pessoas têm tendência ao otimismo, algumas mais do que outras", diz ela. Para Tali, autora do livro Optimism Bias (O Viés do Otimismo, ainda sem versão em português), o otimismo é sempre mais comum que o pessimismo - seja qual for a faixa etária ou o grupo socioeconômico da pessoa. Assim, nunca acreditamos que algo vá dar errado - mesmo quando o mais racional seria pensar que sim. "As taxas de divórcio, por exemplo, chegam a 40%, 50%. Mas as pessoas que estão para casar sempre estimam suas chances de separação em o%", exemplifica Tali. Segundo ela, a inclinação natural ao otimismo também é um dos fatores que levaram à crise econômica global de 2008. "As pessoas achavam que o mercado continuaria subindo cada vez mais e ignoraram as evidências contrárias", afirma.

Ele está no controle
As manipulações criadas pelo cérebro afetam até a capacidade mais essencial do ser humano: tomar as próprias decisões. Quando você decide alguma coisa, na verdade o cérebro já decidiu - com uma antecedência que pode chegar a 10 segundos. Uma experiência feita no Centro Bernstein de Neurociência Computacional, em Berlim, comprovou que as nossas escolhas são resolvidas pelo cérebro antes mesmo de chegarem à consciência. Voluntários foram colocados em frente a uma tela na qual era exibida uma sequência aleatória de letras. O voluntário tinha que escolher uma das letras e apertar um botão sempre que ela aparecesse. Os cientistas monitoraram o cérebro dos participantes durante o experimento. E chegaram a uma descoberta impressionante: 10 segundos antes de os voluntários escolherem uma letra, sinais elétricos correspondentes a essa decisão já apareciam nos córtices frontopolar e medial, as regiões do cérebro ligadas à tomada de decisões. Cinco segundos antes de o voluntário apertar o botão, o cérebro ativava os córtices motores, que controlam os movimentos do corpo. Isso significa que, 10 segundos antes de você fazer conscientemente uma escolha, o seu cérebro já tomou a decisão para você - e até já começou a mexer a sua mão.

"O indivíduo não é livre para escolher", afirma Renato Zamora Flores, professor de genética do comportamento da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). O cérebro restringe previamente as suas possíveis opções e, pior ainda, escolhe uma delas antes mesmo que você se dê conta. É possível lutar contra isso. Lembra-se daquele outro tipo de pensamento, o lento-analítico? Basta colocá-lo em ação. E isso você consegue tendo calma, refletindo sobre as coisas e duvidando das suas escolhas e opiniões. Os truques do cérebro são poderosos, mas não invencíveis. Agora que você sabe como funcionam, está muito mais preparado para lidar com eles - e se tornar realmente livre para tomar as próprias decisões.
PARA SABER MAIS

Como a Mente Funciona
Steven Pinker, Companhia das Letras, 1998.

Thinking, Fast and Slow
Daniel Kahneman, Farrar, Straus and Giroux, 2011.

quinta-feira, 11 de abril de 2013

Por fim, que tal fazer o teste?

Agora que já terminamos de ler sobre a formação da personalidade, que tal fazer o teste? Como visto, de acordo com os especialistas em psicologia atualmente, chegamos aos cinco fatores que eles utilizaram para definir os grandes padrões: extroversão, neuroticismo, abertura à experiência, consciência e afabilidade, sabendo que cada um contendo dezenas de traços psicológicos.

Bem, chega de papo e vamos ao teste:

Faça o seu teste aqui 

E quando terminar, compartilhe aqui se o teste o ajudou de alguma forma e se os resultados obtidos são realmente o que esperava encontrar.

 

Dá para mudar a personalidade? Terceira parte

 Depois de passarmos pelo reconhecimento da consciência, a influência dos nossos pais, criação e outros fatores culturais, econômicos e sociais que interferem na nossa formação, a questão agora é: Dá pra mudar quem eu sou? Ou é tudo culpa da sociedade? rsrs.

"Dizer que não é radical. Dizer que sim é mentiroso. Pois é... A resposta é mais complicada do que você pensa. Imagine um sapato. Olhando o estilo e o estado, você é capaz de supor muita coisa sobre o dono. Dá para imaginar como ele se veste, do que gosta, se é sério ou descontraído. Dá para arriscar seu escritor favorito, em quem ele votou na última eleição, se acredita em deus e até se ele faz o seu tipo. Sua personalidade é como esse sapato: um reflexo de como você se vê e de como é visto.

Parece que não, mas, para chegar a esse modelo de calçado, você fez muitas escolhas: filtrou influências, ouviu opiniões, testou conforto, analisou preço. Da mesma maneira, diversos fatores interferiram na formação da sua personalidade: seus pais, seus amigos, o lugar onde você cresceu, o período em que viveu. E sua genética, claro, que, do mesmo jeito que deixa uma forma única no sapato, molda uma parte de você.


O resultado é um conjunto de padrões de comportamento bem difícil de ser explicado ou medido pela ciência. Desde o fim do século 18, muitas teorias foram criadas. Hoje, uma das mais aceitas é a dos 5 Grandes Fatores, um modelo desenvolvido nos anos 80 pelos americanos Robert McCrae e Paul T. Costa. Ela conseguiu de maneira simples e abrangente classificar os traços de personalidade reconhecidos tanto por especialistas quanto por leigos.


Para criá-la, partiu-se do pressuposto de que todos os aspectos da personalidade humana estão registrados na linguagem que eu, você ou um habitante da Antártida usamos para definir alguém: implicante, curioso, falante, preguiçoso, organizado... Os pesquisadores juntaram todos os adjetivos possíveis e tentaram reuni-los em grandes famílias. Chegaram, assim, a 5 fatores - extroversão, neuroticismo, abertura à experiência, consciência e afabilidade -, cada um contendo dezenas de traços psicológicos.


A extroversão agrega tudo o que diz respeito à sociabilidade: em um extremo estariam pessoas com muita disposição, otimismo e afetuosidade; no outro, as mais sérias e reservadas. Neuroticismo foi o termo encontrado para reunir características relacionadas à estabilidade emocional. O nível de ansiedade, nervosismo e irritabilidade, por exemplo, é retratado nesse grupo. Abertura à experiência é o que mede o interesse por experimentar muitas áreas diferentes (aqui são registrados o senso de estética, as ideias e os valores). 


Dentro do fator consciência estão representados o senso de responsabilidade, a disciplina e o sentido prático. E o fator afabilidade basicamente diz como você se relaciona com outras pessoas - se é generoso, leal e sensível ou mais desconfiado e individualista. Teoricamente, todos os traços de personalidade poderiam ser encaixados em um desses grupos.

Essa padronização abriu caminho para o desenvolvimento de uma série de avaliações que tentam definir objetivamente a personalidade de alguém. Os testes medem os diversos traços em uma escala que vai, geralmente, de 1 a 5. No final, tem-se um retrato de quais são suas características dominantes e quanto elas são representativas na sua vida. 


Você é assim. E agora?

Isso significa que vai ser assim para sempre? Essa pergunta é o calo no pé dos estudiosos. Alguns dizem que, como o corpo, a personalidade muda ao longo do tempo. Outros rebatem que a personalidade seria como a cor dos olhos - se você nasceu com ela, vai morrer com ela. Para outros, o melhor paralelo é a altura: é desenvolvida até certa idade, depois estaciona e não muda mais.


A última versão é a mais aceita pelos especialistas. Mas você terá mais que 18 anos para se definir. Na verdade, terá por volta de 30. Depois disso, pouca coisa vai mudar. "Esse limite não é imposto pela biologia", diz Maria Elisabeth Montagna, professora de psicologia da PUC de São Paulo. "É apenas uma época em que se considera que o adulto já é independente e maduro. Dependendo da pessoa ou da cultura em que ela foi criada, a definição da personalidade pode vir antes ou depois."


O ponto é que a partir dos 30 anos a sua personalidade tende a se congelar como é. Um estudo feito nos EUA com pessoas que 45 anos antes haviam respondido questionários sobre a sua personalidade mostrou que os hábitos cultivados na velhice poderiam ter sido previstos por traços identificados na juventude. Jovens que demonstravam ser criativos, curiosos e liberais tinham se tornado velhos que com hobbies artísticos e que preferiam assistir a programas alternativos. E os que na juventude eram mais conservadores e pés no chão viraram idosos que se divertiam costurando, cozinhando, cuidando do jardim e vendo shows de auditório.


Quer dizer, então, que exatamente quando chegamos à fase adulta, quando melhor nos conhecemos e mais sabemos lidar com nossos conflitos, já não é possível mudar nada? Não é bem assim. Mas a partir daqui, amigo, você vai ter que trabalhar com o que você tem.

 

Como exemplo, a pessoa 1, retratada em um dos gráficos abaixo. A bolota localizada bem no extremo inferior da parte marrom denuncia: é alguém passional, de humor instável, que costuma reagir antes de pensar. Passar para o outro lado do círculo e se tornar 100% controlada e fria é impossível. Mas ela pode, sim, aprender a prever suas emoções para evitar futuros arrependimentos. Seria, portanto, caminhar em direção ao centro do gráfico, suavizando uma característica inconveniente.

 



Do mesmo jeito, quem é muito tímido jamais vai ser o piadista da turma, quem é disciplinado não deixará de se incomodar com imprevistos, quem é muito conservador nunca usará uma camisa rosa-choque. Mas, com os trancos e as necessidades, dá para falar em público, se organizar em meio ao caos ou aceitar uma gravata rosada. Adaptar-se é uma questão de sobrevivência. O quanto você vai conseguir se adaptar é questão de força de vontade.


Pense antes de casar

É que nem sempre querer é poder. Se não conseguir mudar o seu temperamento, a pessoa 1, por exemplo, terá uma boa desculpa: os traços de personalidade relacionados ao neuroticismo são os mais difíceis de mudar. Aqui estão adjetivos como passional, irritável, vulnerável e ansioso.


Foram esses os principais motivos do divórcio ou da infelicidade no casamento de 300 casais americanos que participaram de uma pesquisa realizada pelos psicólogos E. Lowell Kelly e James Conley e publicada em 1987. O questionário, aplicado a primeira vez em 1935 e mais uma vez 45 anos depois, demonstrou que instabilidade, reações explosivas e excesso de brigas exerciam influência muito maior nas crises de relacionamento dos casais que questões ligadas a trabalho, à família ou ao sexo. E pior: mesmo cientes disso, a maior parte dos cônjuges problemáticos não conseguiu se ajustar em prol do casamento.


A dificuldade faz sentido: os traços ligados ao neuroticismo são os com maior tendência a se tornarem transtornos psiquiátricos. Nesses casos, só com terapia.


Você está achando tudo um exagero e acabou de pensar em um monte de casos em que o marido ficou mais organizado, sociável e amoroso ao longo dos anos. É possível. Mas não se case pensando neles. Mesmo em campos aparentemente mais moldáveis, como o da extroversão ou o da consciência, a mudança costuma ser tímida (alguns estudiosos arriscam um máximo de 10%) e tem que partir da outra pessoa, e não de você.


Não conseguir mudar o outro é uma má notícia. Mas pense pelo lado bom: se o outro for você, pode não ser tão ruim assim. "A continuidade da nossa personalidade é a fonte para a constituição da nossa identidade", afirmam McCrae e Costa. O que eles querem dizer é que, no fundo, permanecer mais ou menos igual é importante para o equilíbrio da nossa vida. Não dá pra ser uma pessoa diferente a cada instante, simplesmente porque o mundo nos exige coerência. Você precisa saber quem você é e os outros, o que esperar de você. Ou, mais do que flexível, você pareceria um louco.



5 fatores

Segundo uma das teorias mais aceitas entre os psicólogos, tudo o que você é cabe dentro destes grupos. Veja alguns exemplos:


Extroversão

- Reservado x afetivo
- Tímido x sociável
- Quieto x falante
- Insensível x passional
- Discreto x alegre


Neuroticismo

- Tranquilo x tenso
- Constante x instável
- Satisfeito x autopiedoso
- Racional x emocional
- Seguro x inseguro


Abertura

- Realista x imaginativo
- Convencional x original
- Rotina x variedade
- Pouco curioso x curioso
- Conservador x liberal

 
Afabilidade

- Cruel x piedoso
- Duvidoso x confiável
- Mesquinho x generoso
- Crítico x tolerante
- Rude x cortês

 
Consciência

- Negligente x responsável
- Preguiçoso x trabalhador
- Bagunceiro x organizado
- Atrasado x pontual
- Acomodado x ambicioso


Para saber mais

Teorias da Personalidade
Duane Schultz e Sidney Elle Schultz, Cengage Learning, 2008.

Personality in Adulthood

Robert McCrae e Paul Costa, The Guilford Press, 2006.

Fonte: Super Interessante - 2009

Formação da personalidade - Parte dois

Agora que já entendemos como se forma aquela "vozinha interior" que chamamos de consciência e de como essa visão de nós mesmos nos ajudaram a formar nossa personalidade desde os primeiros momentos de vida, até dos quais não conseguimos nos lembrar quando pequeno, vamos analisar a influência de uma pessoa muito importante e que sem ela, não estaríamos aqui, lendo este artigo.

"Tudo sobre a sua mãe

Ela trouxe você ao mundo, secou suas lágrimas e criou você. Mas qual é a verdadeira relevância da sua mãe? Entenda aqui por que a pessoa mais importante da sua vida pode ter tido pouca influência sobre você.


Aos poucos, a barriga vai ficando grande e rígida. A pele se estica e racha. A coluna enverga: o quadril caminha para trás, os ombros caem. Dentro do corpo, o volume de sangue começa a aumentar até ficar 50% maior. Para dar conta de tanto líquido, o coração passa a bater acelerado, sem previsão de desacelerar nos próximos meses. Devagarzinho, uma força enorme vai empurrando órgãos internos: estômago, intestino e bexiga ficam atrofiados e desregulados. Manchas na pele, retenção de líquido, prisão de ventre. Depois de 9 meses, o resultado. De dentro desse corpo adoentado nasce uma criança. Junto com ela, vem ao mundo uma mãe - a pessoa mais importante que o bebê conhecerá na vida. Entenda aqui por que você pode culpá-la (ou agradecê-la) por tê-lo dado à luz. E por que, talvez, ela não tenha nada a ver com o que você é hoje. Com vocês, tudo (ou quase) que a ciência diz sobre a sua mãe.


Ninguém tem dúvidas de que a mãe influencia a vida dos filhos. Essa ideia parece óbvia. Basta olhar ao redor: pais gentis, bem-educados e inteligentes costumam ter filhos gentis, bem-educados e inteligentes. Filhos de mães abusivas ou instáveis muitas vezes repetem o mesmo padrão na hora de casar e educar os filhos. Tudo indica que a maneira como foram criadas deixa marcas na vida das pessoas. E essa crença é reforçada pela psicologia. A mais importante das teorias psicológicas surgiu com o 2º austríaco mais famoso do mundo, Sigmund Freud. Ele também acreditava que a personalidade dos filhos é formada pelos pais.

As suposições do austríaco são muitas, e ele mesmo não parou de reescrevê-las até sua morte, em 1939. O que não muda muito é a ideia de que o desenvolvimento da personalidade passa por diversas fases na infância - focadas em rituais como a amamentação, o uso do penico, a descoberta dos órgãos sexuais. Se os pais atrapalharem a passagem dessas fases, a criança pode se tornar um adulto compulsivo ou imaturo ou agressivo... e por aí vai. 


Todas as fases descritas por Freud podem ser observadas em crianças pequenas, mas os indícios científicos de que elas sejam determinantes para a personalidade na vida adulta são frágeis. Por isso, ultimamente, o pai da psicanálise tem apanhado bastante. "Freud raramente é estudado nos departamentos de psicologia das grandes universidades hoje em dia. Você pode encontrá-lo muito mais nas aulas de história ou de literatura", diz Paul Bloom, professor de psicologia da Universidade Yale, nos EUA, em seu curso de graduação. Realmente, antes de Freud, o papel dos pais era muito diferente. Uma mãe dos tempos das cavernas estava preocupada apenas em fazer o filho sobreviver à infância. Da idade média ao século 18, o filho era considerado posse dos pais e podia ser ignorado e maltratado a valer. Até o século 20, os pais eram aconselhados a não demonstrar amor pelos rebentos. É duro dizer isso, mas acreditar que tudo o que sua mãe fez quando você era criança influenciou no que você é hoje é coisa apenas do nosso tempo e cultura.

Onde foi que eu errei?

Mamãe mentiu para você. Provavelmente ela falou que gosta de todos os irmãos da mesma maneira, mas a verdade não é bem por aí. Toda mãe tem seu filho favorito - e trata cada irmão de maneira diferente. Um estudo que hoje já se tornou clássico, feito pelo biólogo americano Frank Sulloway em 1996, mostra que 66% dos pais admitem que preferem um filho a outro. E outra pesquisa confirma: 87% das mães reconhecem que amam mais o caçula.


Mas, antes que você odeie seu irmãozinho para sempre, é preciso entender que nem sempre é a ordem de nascença que cria o favoritismo. Mães tratam os filhos de maneiras diferentes simplesmente porque eles são diferentes. "As atitudes dos pais vão de acordo com a personalidade que a criança já tem de nascença", diz Viviane Feldens, doutora em psicologia e especialista em crianças. Vamos imaginar uma mãe com dois filhos: um retraído e outro impetuoso. É provável que o filho acanhado receba incentivos para se tornar mais extrovertido, mas que o filho destemido conviva com uma mãe que o impede de fazer as coisas. Ou seja, foram educados de maneiras opostas, apesar de ter os mesmos pais.


No caso acima, o temperamento que a criança traz de nascença determinou como ela foi educada. Em outros casos, como no aprendizado da linguagem, a educação que o filho recebe fica em primeiro plano. Foi ao observar essas questões que os psicólogos do século 20 elaboraram a pergunta tão temida por quem estuda personalidade: o que influencia mais, a genética ou a educação? Dez entre 10 psicólogos e cientistas preferem a resposta salomônica: "50% DNA, 50% educação". Ok, a genética é fornecida totalmente pelos pais. Mas e esse ambiente, do que se trata?


Vai brincar lá fora, vai

Em 1931, numa época em que a ética não era grande empecilho para desenvolver a ciência, um casal de psicólogos americanos decidiu testar o que influenciava mais uma criança: a genética ou a educação. Para fazer isso, adotaram uma bebê chimpanzé, Gua, que foi criada exatamente da mesma maneira como seu filho humano recém-nascido, Donald. Durante quase dois anos, Gua e Donald faziam tudo igual. E, para desespero dos pais, Gua aprendia tudo sempre muito mais rapidamente. Ela usou talheres primeiro, ajudava a se vestir com mais facilidade e começou a avisar os pais que precisava do penico antes de Donald. E o mais bizarro: ensinou o irmão a falar macaquês. Com quase 2 anos, numa idade em que as crianças já têm um vocabulário (humano) de 50 palavras, Donald ficava no "uh-uh, uh-uh". 


Como era de esperar, a essa altura do experimento, Gua foi mandada de volta para o zoológico. O que esse estudo nos diz? (Não, nada disso. Donald não era menos favorecido no quesito inteligência. Quando adulto, ele se formou em medicina em Harvard.) O experimento mostra que, apesar dos genes humanos, Donald estava agindo de acordo com o ambiente onde fora criado, o da irmã macaca. Mas a pergunta central aí é outra: por que o menininho estava se adaptando aos hábitos do chimpanzé e não aos dos pais?

A resposta: talvez outras pessoas, que não os pais, sejam mais importantes no desenvolvimento da criança. Por que tantos pais flamenguistas não conseguem evitar que seus filhos virem pequenos vascaínos? Por que filhos de pais imigrantes aprendem a língua do novo país como se não conhecessem outra língua materna? Tudo indica que os amigos têm mais importância na formação dos filhos do que se imagina.


A defensora da teoria "amigos são tudo" é a psicóloga americana Judith Harris. Para ela, os pais têm quase nenhuma influência no desenvolvimento do filho. E ela tem bons argumentos. Um deles é uma das maiores pesquisas já feitas com filhos adotivos. Há mais de 3 décadas, a Universidade do Texas vem acompanhando o desenvolvimento de 700 filhos adotados e suas famílias (biológicas e não) para medir fatores como inteligência, autoestima e ajustamento. Os resultados mostraram que, quando adultas, as crianças adotadas eram muito mais parecidas com seus pais biológicos do que com os pais adotivos, com quem tinham passado a vida toda. Em outras palavras, a criação de casa tinha deixado poucas marcas permanentes.


Para Judith, a única marca indelével trazida pelo ambiente vem dos amigos. A explicação é biológica. Durante milhões de anos de evolução, a nossa sobrevivência dependeu da capacidade de viver em grupo: aprendemos a agir, falar e nos comportar com as pessoas ao nosso redor. Aí é que está o pulo-do-gato: a criança reconhece o grupo nas pessoas da mesma idade e nicho que ela, ou seja, nos amigos - e não nos pais. Por isso Donald começou a imitar sua irmã macaca e ignorou a mãe. Por isso, no fim das contas, a criança torce pelo time, fala a língua e desenvolve a personalidade parecida com a dos amiguinhos. E a influência dos pais? Para Judith, eles que se contentem em fornecer a genética.


Trancamos no porão, então?

Já que a educação dos pais não interfere no desenvolvimento dos filhos, não é preciso tratá-los com carinho e amor, certo? Errado. Peguemos o caso de Joseph Fritzl, o 2º austríaco mais infame do mundo. Ele trancou a filha durante 24 anos no porão, abusou dela e teve 7 filhos frutos do incesto. A filha de Fritzl dificilmente será uma pessoa normal - e não é pela falta de amigos. Um experimento feito com filhotes de macacos Rhesus que sofreram abusos e foram negligenciados pelas mães mostrou que maus-tratos deixam sequelas cerebrais permanentes. Ou seja, quem sofre abusos na infância não produz serotonina em níveis normais, e vira um adulto deprimido e agressivo - que possivelmente também abusará dos filhos. É um caso inegável da mãe determinando a vida dos filhos. E há outros.


Religião, valores, habilidades artísticas ou esportivas, escolha da profissão: tudo isso pode ser influenciado pelos pais, porque são aspectos ensinados quase exclusivamente dentro do ambiente familiar - e não fora dele. "Quando os pais escolhem a escola onde vão matricular os filhos, já decidem também que tipo de amigo as crianças vão ter", diz Viviane Feldens.  


Quer dizer, decidem que tipo de amigo vai interferir na personalidade. É com a mãe também que a criança aprende a se socializar. São essas as referências que ela vai levar na hora de fazer as primeiras amizades. E, como se tudo isso já não fosse o suficiente, as mães ainda carregam o enorme fardo de ser a pessoa mais importante na vida dos seus filhos. Numa pesquisa feita no ano passado pelo Núcleo Jovem da Editora Abril, com 1 600 jovens de todo o país, as mães foram apontadas como a pessoa mais amada por 92% deles. (Os pais amargaram um distante 3º lugar, com 59%, atrás até de irmãos e irmãs.) Pois é, mesmo se ela não tiver influência alguma na sua vida, mãe continua insubstituível.

Mãe só tem muitas

Em diferentes épocas e lugares, pessoas tentaram explicar como se forma a personalidade humana e acabaram colocando a mãe no meio.


Sem traumas

Na maioria das sociedades tribais não existe a noção de que a mãe é essencial para formar a personalidade de ninguém. Nas tribos amazônicas, quem educa as crianças são os irmãos ou primos mais velhos. No mundo ocidental até o século 18, a moda era amarrar os braços e as pernas dos bebês para que eles dessem menos trabalho nos primeiros meses de vida. E, claro, não havia o conceito de trauma.


Freud explica

Ele realmente tentou explicar tudo. Para Freud, a simples presença dos pais já tem consequências sobre a formação da criança. Os desejos e sonhos que a mãe projeta sobre o filho e a maneira como ela o trata definem a pessoa que ele será. Hoje, boa parte da psicologia se divide em duas: os que se baseiam na teoria de Freud, e os que a rejeitam.


Folha em branco

John Locke, o filósofo inglês, (não o careca do Lost) certa vez disse: "A mente do bebê é uma folha em branco". Esse virou o lema de alguns behavioristas, o grupo de psicólogos que achava ser possível moldar a personalidade da criança em qualquer direção. Para fazer isso, bastaria que os pais recompensassem os comportamentos desejados. A técnica funciona com alguns hábitos, mas não para formar caráter.


Estimulante

Hoje, se sabe que a mente do bebê é tudo menos folha em branco. Ele percebe o mundo ao redor, reconhece pessoas e, mais importante, nasce com traços de personalidade já perceptíveis. Por isso, cabe à mãe estimular esse cérebro em formação. Ler em voz alta, conversar muito, tocar Mozart antes de dormir são algumas das dicas, que ninguém sabe ao certo se farão efeito na vida adulta.


Diga-me com quem andas

A citação é da Bíblia, mas foi a psicóloga americana Judith Harris que a transformou em ciência. Para ela, são os amigos que formam a personalidade da criança. Eles é que ensinam linguagem, comportamentos e influenciam se a criança vai gostar de ler ou estudar, por exemplo. A mãe interfere nesse processo só ao escolher em que escola e bairro a criança vai crescer."



Para saber mais

The Nurture Assumption
Judith Rich Harris, Free Press, 2009.


Introduction to Psychology: Sigmund Freud
academicearth.org/lectures/foundations-freud

Como se forma a consciência?

Esse artigo foi retirado de uma matéria da Super Interessante, na qual explica o processo de formação do que chamamos "consciência". Existem vários aspectos que a ciência ainda tenta explicar até que ponto a genética e a cultura podem influenciar na nossa personalidade. 

Para ficar mais fácil a leitura e o entendimento, vamos passar por vários artigos até chegar no teste final onde você poderá testar até onde o estudo para o conhecimento sobre nós mesmos nos permitiu chegar.

 "Como você virou você

Essa pessoa que você chama de "eu" nem sempre esteve aí. Entenda a formação da sua consciência.


Seus olhos acabam de bater nas manchas pretas que formam as letras desta frase e, como mágica, uma voz surge na sua cabeça. Já parou para pensar o quanto isso é estranho? Pense uns dois segundos sobre isso. Agora reflita sobre algo ainda mais bizarro: quem estranhou a voz que surgiu do nada foi a própria voz, e é ela que segue extraindo sentido das manchas nesta página.


Não há nenhum pensamento dentro de você que ela não conheça. E tudo do lado de fora só tem o significado que ela enxerga. Na verdade, essa voz tem algo importante a dizer neste momento: ela é você. E costuma atender pelo nome de consciência.


Estudar o "eu" é um desafio para a ciência. Afinal, como usar evidências científicas para explicar o filme que se desenrola dentro do seu cérebro? Ainda mais se a única poltrona nessa sala de cinema mental já está ocupada por você. Aos cientistas, resta estudar a consciência a partir do que os outros contam - ou de algum vestígio de "eu" capturado em laboratórios. Aliás, descobertas recentes mostram que a consciência pouco se parece com um rolo de filme, cronológico e indivisível, e talvez seja tão fragmentada e imprevisível quanto uma TV mudando de canal. Para não perder o fio da meada, vamos voltar até onde essa história toda começou: quando você era pequeno.


Em formação

 
Para entender a infância da sua consciência, é preciso usar a imaginação - lembrar é impossível, porque você ainda não formava memórias. Estamos falando de uma época em que você ignorava tempo, espaço e limites do corpo. Pense que você não fazia ideia se os eventos eram rápidos ou demorados, se os lugares eram perto ou longe. Ou mesmo onde terminavam suas costas e onde começavam os braços em que você repousava.

Como cantava o miniastro francês Jordy, é duro ser bebê. Até os 4 meses de vida, seu cérebro se ocupava basicamente de processar seu contato com o mundo - ele não agia, só reagia. Fazia você acordar se estivesse repousado, chorar se o deixassem com fome, dormir se estivesse cansado. Além disso, as informações que você recebia através dos seus 5 sentidos provavelmente ainda não se separavam, vinham todas juntas. Nessa idade, mamar no seio da mãe é uma overdose de tato, olfato, paladar, visão e audição - não é à toa que você gostava tanto.


Essa mistura sensorial, conhecida como sinestesia, ainda não era você. Segundo o neurologista português António Damásio, é só aos 18 meses que surge algo que pode ser chamado de "consciência mínima".


Nesse momento, a integração entre os lobos frontal e parietal do cérebro fizeram a voz que lê este texto começar a balbuciar. Você passou a reparar em coisas como salgado e doce, liso e áspero, quente e frio, barulhento e silencioso, luminoso e escuro - além de se dar conta de que você é apenas um ser entre vários outros e que o mundo não some quando você fecha os olhos.


Quando você tinha entre seus 3 e 4 anos, seus circuitos neurais responsáveis pela linguagem e pela memória de longo prazo se desenvolveram, e nasceu a consciência ampliada: um eu com noção de passado e futuro, que acumula informações sobre si mesmo para formar sua identidade. Pela primeira vez, você começa a se lembrar de que foi ao parque ontem e que você tem que ir ao médico amanhã. E ainda: que você gosta de ir ao parque e nem tanto assim de ir ao médico, transformando isso em traços da sua jovem personalidade. O responsável por esse upgrade, que tornou possível você pensar sobre os seus pensamentos, é hoje a celebridade mais quente do mundinho neurocientíco: o neurônio-espelho.

 
Espelhar é preciso

Concentre-se na seguinte imagem: um sujeito caminha descalço em um quarto escuro. Ele procura o interruptor para acender a luz e, distraído, pisa em um prego. É um prego pontudo, enferrujado, rasgando a pele, o músculo, a carne do sujeito, que sangra e grita de dor. Doeu em você? Obra dos neurônios-espelho. Eles reagem a estímulos que você vê ou imagina em outra pessoa como se ocorressem no seu próprio corpo. Todos os animais de inteligência superior - aqueles que conseguem enviar mensagens uns aos outros - têm os seus.


Mas o que o neurônio-espelho tem a ver com o surgimento dessa voz interna que pensa sobre si? Uma boa metáfora para responder a questão foi criada pelo cientista americano Douglas Hofstadter: o "eu" surge a partir de um processo parecido com o que ocorre quando apontamos um espelho para outro - é o resultado de uma sucessão infinita de imagens mentais sobre outras imagens mentais. E é quando os neurônios-espelho passam a refletir nosso mundo mental que pensamentos sobre outros pensamentos se tornam possíveis. É só aí que nos colocamos oficialmente acima dos chimpanzés e golfinhos: "A consciência humana é única no mundo natural", diz o neurocientista indiano Vilayanur Ramachandran.


Mas essa é apenas a ponta do iceberg. Ainda não é possível responder com segurança questões como "Uma pedra tem consciência?", "O vermelho que eu vejo é o mesmo que você vê?" e "Você é uma pessoa no mundo ou um cérebro dentro de um barril?"


Mesmo que a última pergunta seja verdade e o filme rodando aí atrás dos seus olhos não passe de ilusão da voz na sua cabeça, deixe-a lendo e falando. Ainda vale tentar decifrar nas próximas páginas o maior mistério de todos: essa coisa estranha que você chama de "eu".


Mentes que mentem
 

Às vezes a consciência fica inconsciente.
 
Anosognosia
 
O cérebro do deficiente se recusa a reconhecer sua deficiência. Ou seja, a pessoa perde um membro ou um sentido e acredita ainda estar com 100% da capacidade. Comum em vítimas de derrame.


Blindsight
"Visão cega" em inglês. Problema de processamento neural em que uma pessoa com visão normal acredita que está cega. São famosos os casos de veteranos de guerra.


Múltipla personalidade
 
Não é invenção do cinema: algumas pessoas criam dentro do mesmo cérebro dois ou mais "eus", geralmente após eventos traumáticos.


Síndrome da mão alien
 
Um dos membros do corpo - geralmente a mão - parece agir por vontade própria, independente do corpo. Com o tempo, a pessoa passa a acreditar que o membro não é seu.


Síndrome de Cotard
 
Delírio raro, em que o paciente acredita que está morto, não existe, está apodrecendo ou perdeu órgãos internos. Em casos extremos, os médicos precisam espetar os pacientes com agulhas para que vejam o próprio sangue." 


Gostou deste artigo? Continue por aqui que ainda teremos a continuação sobre esse assunto.

Fonte: Super Interessante - 2009


Para saber mais

O Erro de Descartes
António Damásio, Companhia das Letras, 1996.

Do Que É Feito o Pensamento
Steven Pinker, Companhia das Letras, 2008.